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Este texto foi escrito como resposta a um garoto de 9 anos que me pediu informações sobre consumo compulsivo. Ele estava fazendo um trabalho para a feira de ciências de sua escola. Na falta de um material acessível na hora para lhe enviar, resolvi escrever este texto. 

Consumo compulsivo: resposta a um menino de 9 anos

por Artur Thiago Scarpato

Caro Beto,

O que segue são alguns comentários a partir da minha experiência em consultório.

O consumo esta sempre ligado a objetos desejados. Consumimos o que queremos ter para nós. Um tênis, um videogame, um carro, uma bolsa, um sapato, uma camisa, etc.

O que nos move na direção deste querer Ter ? Porque acreditamos que tendo o objeto desejado, nós Seremos mais felizes…

Observe, Beto, que estamos falando de dois verbos: o verbo TER e o verbo SER.

Ao TER o que queremos, SERemos mais…felizes!!!

Esta é a primeira fórmula que eu queria te mostrar:

o TER promete transformar o SER.

Quando consumimos algo desejado, podemos ter o reconhecimento dos outros por isto; é o que chamamos de status social.

Quando compro um videogame de ultima geração, por exemplo, posso mostrá-lo para os meus amigos, e através dos olhares deles me valorizar junto com o objeto que comprei.

O atributo, o valor que é do objeto (videogame) – ser de ultima geração, moderno, legal – estende-se a mim também, e passo a ser visto pelos meus amigos como legal, moderno, de última geração… E isso vale para o carro potente, o tênis da moda, etc.

De novo a primeira fórmula: o Ter promete transformar o Ser aos olhos dos outros também.

Quando queremos o reconhecimento dos outros, o que no fundo estamos buscando?

Há uma palavra que resume bem o nosso maior anseio, 
a nossa maior busca: AMOR

Queremos ser amados e para isto queremos ter tudo aquilo que nos faça ser mais desejados, mais admirados, mais importantes, mais valorizados…

O objeto de consumo tenta preencher um lugar vazio em nós: o lugar que gostaríamos de ver ocupado pelo amor.

Sabe Beto, a nossa mente é muito ardilosa e aquele objeto de consumo que nos traria o amor dos outros (pelo reconhecimento), passa ele mesmo a representar o amor para nós.

Há uma IDEALIZACÃO do objeto de consumo (tênis, videogame, etc.) que traz junto consigo, na fantasia, o preenchimento de nossa necessidade de amor, de nossa carência.

Aqui está, então, a segunda fórmula:

OBJETO DE CONSUMO é igual a AMOR
Há assim uma mudança de rumo, uma TROCA de uma solicitação de amor por uma necessidade (compulsiva) de consumir e sentir-se provisoriamente preenchido.

Consumir torna-se, nestes casos, satisfazer uma necessidade de amor. Através do objeto de consumo buscamos ser mais amados.

No entanto como o desejo no fundo não é pelo objeto, mas principalmente pela satisfação da carência, o sentimento de plenitude e de vitória não dura muito e logo logo vem o vazio de novo e a sensação de que falta…de que ainda tem aquele outro objeto que eu quero… e aquele outro e aquele outro…sem fim.

Junta-se a tudo isto o fato de que no amor nós precisamos receber e dar, enquanto que consumindo, nós podemos nos satisfazer por iniciativa própria. O que nos coloca aparentemente menos dependente, mas eternamente insatisfeitos e carentes.

Para você entender, compulsão é todo comportamento que uma pessoa faz repetidamente porque não consegue evitar de fazer. Ela sente ansiedade se não fizer, aí acaba fazendo de novo e de novo.

Ansiedade é aquela inquietação dentro da gente que nos deixa um pouco com medo, na expectativa, inquieto, tenso.

Mas ansiedade de consumir? Por que?

Lembre-se que a pessoa está preenchendo uma carência de afeto, de amor, com o objeto de consumo. Logo se ela não consumir, ela vai sentir a DOR da carência, a tristeza de não se sentir amada.

Esta dor ameaça vir à tona e desfazer aquela TROCA na qual a pessoa substituiu a carência de amor pelo objeto de consumo.

Ela precisa então consumir para não sentir a carência.

A ansiedade avisa para ela de que se ela não consumir, algo ruim pode acontecer. A pessoa não sabe o que é, mas consome para diminuir a ansiedade e assim evitar que esse algo ruim venha.

Esse algo ruim é a carência, a tristeza e a raiva de NAO SE SENTIR AMADA.

 Esta Beto, é uma das maiores dores que um ser humano pode vir a sentir. E no entanto, todos nós a conhecemos em maior ou menor grau em alguns momentos de nossa vida.

Quando não aguentamos essa dor, por ela estar muito, muito forte, colocamos algo no seu lugar para disfarçar a dor; nos casos de que estamos falando, a pessoa consome compulsivamente…

 Quando você estiver lendo isto, gostaria que você buscasse entender junto comigo este comportamento exagerado. Que não considerasse os casos de compulsão ao consumo como se fosse uma doença estranha, mas como um desequilíbrio, que todos nós podemos passar pela vida, em doses maiores ou menores.

Pois assim, compreendendo uma pessoa que está sofrendo, você pode ajudá-la.

Como todo comportamento que causa sofrimento à própria pessoa, este também pode ser tratado (ajudado) . O nome do tratamento é psicoterapia e é feito por um psicólogo – é o tipo de trabalho que eu faço.

Boa sorte,

Respondido em junho/1998 Apenas o nome do menino foi modificado.

Nota: 

O material aqui disponível pode ser reproduzido desde que se faça a referência do autor e da fonte.

Modo de citação (ABNT): Scarpato, Artur (1998).Consumo compulsivo: resposta a um menino de 9 anos. Disponível em: <https://psicoterapia.psc.br/mais/artigos/consumo-compulsivo/> Acesso em: dia/mes/ano.
Artur T. Scarpato – Psicologia Clínica – CRP 06/42113 
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