Vivemos tempos de exceção. Tudo aquilo que fazíamos com naturalidade se transformou em ameaça: encontrar alguém, apertar uma mão, dar um beijo no rosto, participar de um encontro de trabalho, ir a uma festa com amigos ou familiares.
Vivemos ameaçados por um vírus invisível cujo portador pode estar assintomático e nem saber que carrega tal risco. O outro se tornou um perigo potencial. Do mesmo modo a nossa proximidade pode representar uma ameaça para o outro.
Nada seria mais disfuncional para um ambiente urbano, onde a vida de cada um depende de encontros e trocas com algum grau de proximidade física.
E vivemos agora ansiosos na cidade, sem saber quem pode contaminar quem, se eu sou uma ameaça ou uma potencial vítima.
Somos chamados ao isolamento, ao recolhimento forçado dentro de casa, com o mínimo de proximidade física e o máximo de distância.
Ainda podemos ainda interagir remotamente, por telefone e mídias sociais.
Mas o corpo se tornou ameaçador e ameaçado. E nossa corporeidade determina nossas reações internas: ansiedade, tensão, desconforto e alerta.
Vivemos desregulados, num estado interno de defesa frente a um potencial perigo. Nos cabe reconhecer este estado disfuncional e encontrar recursos de regulação emocional. Nosso sistema precisa de um mínimo de segurança e previsibilidade para funcionar bem, para não adoecer.
Precisamos nos autorregular. Pela autorregulação reduzimos o estado de alerta e defesa para alcançar um estado interno de mais equilíbrio.
Muitas práticas nos ajudam nesta tarefa: respirações lentas, movimentos conscientes, técnicas específicas e formas variadas de expressão que nos ajudam a sintonizar profundamente conosco, ativando nossa capacidade inerente de autorregulação somática e equilíbrio interno.
E contamos também com o recurso da regulação vincular, com a presença de um outro que não nos ameaça, seja porque está a uma distância segura e porque nos transmite solidariedade e confiança. Este outro pode estar no mesmo ambiente, mas também do outro lado do telefone ou da tela. Neste momento de conexão segura, o outro volta a ser quem mais precisamos nestas horas: o outro que nos faz sentir acompanhados. Me conecto com o outro quando ele cuida de mim, mas também quando eu cuido dele, quando ele me olha, mas também quando eu olho e me importo com ele, neste complexo processo bidirecional de regulação vincular.
Nestes tempos de coronavírus, precisamos dos preciosos recursos de autoregulação e de regulação vincular. A psicoterapia é um espaço para aprender e desenvolver estes recursos essenciais. Estes caminhos podem nos ajudam a sair de um estado agitado ou congelado de ameaça para um estado mais seguro, tranquilo e até esperançoso. Somente assim podemos atravessar este mar social revolto, carregado de notícias ruins e ameaças potenciais, sem adoecer.
por Artur Scarpato – Psicólogo