O Estranho que me Habita – Ansiedades, Traumas e suas questões

Domesticar o monstro: tornando a ansiedade suportável

A ansiedade expressa um estado de vulnerabilidade, um estado em que nos sentimos sob risco. Nesta hora podem surgir na mente muitos medos: medo de morrer, medo de perder o controle, medo de fracassar, medo da crítica, medo de perder o amor dos outros, etc.
Mas o medo que mais nos consome é o medo do desconhecido agindo dentro de nós, a sensação de não saber o que ocorrerá conosco, de descontrole, podendo surgir o pavor de acreditar que o que ocorre conosco pode nos engolir, nos destruir. A experiência do pânico é uma experiência assim, de um estado que parece nos ultrapassar e ir além dos nossos limites.
Compreendendo as reações de pânico é possível aprender a observá-las e ir perdendo o medo das reações corporais (coração acelerado, tremores, respiração curta, formigamento etc). Poder viver as reações do corpo como fonte de desconforto e não como fonte de perigo. O caminho de superação do pânico passa por aprender a tolerar estas experiências corporais e emocionais intensas.
Aumentar a tolerância é uma experiência difícil quando a gente se assusta tanto com cada pequena coisa que acontece conosco, mas é fundamental neste caminho de ir domesticando o monstro para torná-lo um bicho familiar.
O desafio é aprender a poder se sentir frágil, vulnerável, assustado, pequeno… a sentir medo, insegurança… e neste processo ir tornando a experiência suportável.

O sofrimento com sentido: dos sintomas à vulnerabilidade

A ansiedade é a emoção natural que aparece quando alguém se sente vulnerável, quando se sente ameaçado, impotente e incapaz para lidar com uma situação ou mesmo com as próprias reações. Geralmente as fobias e o transtorno de pânico começam como “crises de ansiedade” num momento de vulnerabilidade. Nestas primeiras crises a ansiedade passa a se associar a um fator concomitante, seja uma reação corporal ou um evento externo que passará, a partir daí, a funcionar como disparador de novas crises. No caso de uma fobia, uma situação externa ou objeto passa a funcionar como disparador de crises fóbicas, enquanto no pânico, uma reação do corpo passa a disparar os ataques de pânico.
Temos assim dois níveis: (1) o estado original de vulnerabilidade e desamparo e (2) a associação onde um objeto/situação/reação passa a ser associado à ansiedade. A partir deste momento sempre que o objeto objeto/situação/reação se apresenta, dispara uma resposta automática de ansiedade, iniciando uma crise.
Trabalhar eficazmente com o pânico ou com fobias implica em quebrar esta associaçõa para interromper a incidência das crises.
Porém a experiência clínica demonstra que em muitos casos é necessário ir além da supressão do sintoma, além da superação das crises. Precisamos ajudar a pessoa a chegar ao estado de vulnerabilidade e desamparo original, torná-lo suportável e, se possível, também compreensível dentro da história de vida da pessoa.
Chegar ao estado de vulnerabilidade e desamparo e encontrar outras saídas para sua expressão que não as crises de pânico ou reações fóbicas.

A medicação, a psicoterapia e o Pânico

Um tratamento eficaz do transtorno do pânico envolve alguns objetivos básicos: (1) diminuir as crises, (2) quebrar a associação das reações do corpo como fonte de perigo e (3) capacitar a pessoa a enfrentar os sentimentos de vulnerabilidade e desamparo que disparam ansiedade.
A medicação tem um efeito importante no primeiro destes objetivos, diminuir a incidência das crises de pânico, porém parece não atingir diretamente os outros dois objetivos.
A medicação, por exemplo, não ensina à pessoa como ela pode se auto-regular e diminuir sua ansiedade. O desenvolvimento da capacidade de influenciar seus estados internos é importante para que a pessoa aprenda a se acalmar e assim supere o sentimento de impotência frente à ansiedade e ao pânico.
Tão importante como aprender a se auto-regular é quebrar a associação que se cria no cérebro da pessoa, onde as reações de seu corpo (taquicardia, etc) são vividas como um sinal de perigo, disparando ansiedade e pensamentos catastróficos. Ao se quebrar esta associação as reações do corpo deixam de produzir ansiedade e a pessoa deixa de ter crises de pânico.
A medicação é um recurso auxiliar importante para ajudar a controlar as crises de pânico. Porém sua melhor utilização parece ser como coadjuvante da psicoterapia, visto que as pesquisas têm apontado que o índice de recaídas é maior quando há somente tratamento medicamentoso do que quando há também um tratamento psicológico.
Atualmente é possível tratar a pessoa com pânico com uma psicoterapia especializada, mesmo sem a utilização de medicação. O problema é que este tratamento psicológico especializado ainda não é amplamente conhecido e utilizado, e as pessoas acabam vivendo numa situação precária, reféns do pânico por anos, em tratamentos que acabam não tocando suas questões essenciais.

Fobia Social: a ansiedade na frente dos outros

Na fobia social a pessoa fica ansiosa em situações sociais, quando teme pelo seu desempenho e se constrange ao se imaginar sendo observada pelos outros.
Isto pode ocorrer em situações diversas, como ao escrever na frente dos outros, falar em público, participar de reuniões, ao estar num restaurante, numa festa etc.
Algumas pessoas temem situações sociais variadas enquanto outras apresentam os sintomas somente em situações bem específicas.
Quando na situação temida a pessoa costuma apresentar alguns sintomas de ansiedade como suor, tremor, rubor na face, desarranjo gastrointestinal, etc. A preocupação de que os outros possam perceber o seu desconforto e seus sintomas torna-se uma fonte adicional de preocupação que deixa a pessoa ainda mais embaraçada e ansiosa.
Este quadro leva muitas pessoas a evitarem as situações temidas ou, se for inevitável, a viverem a experiência com muito sofrimento.
A fobia social é diferente da timidez pelo grau elevado da ansiedade, pela grande limitação que traz à vida da pessoa e pelo fato de que algumas pessoas tem um desempenho social normal fora daquelas situações temidas.
No tratamento da fobia social há dois focos importantes:
(1) ensinar a pessoa a se autogerenciar, para que aprenda a diminuir a ansiedade e consiga se regular na situação, diminuindo assim os sintomas
(2) investigar a raiz do sentimento de inadequação e “auto-crítica” que aparece projetada no ambiente, como se o ambiente fosse crítico.
É importante identificar os eventos da história de vida que possam ter contribuído para que a pessoa se sentisse inadequada e fragilizada numa situação social. Muitas vezes um evento recente reativa um sentimento antigo de inadequação, como o de ser alvo de crítica ou desprezo dos pais na infância.
A partir do aumento da capacidade de autogerenciamente e do esclarecimento dos sentimentos envolvidos na situação social temida, a pessoa consegue superar o sofrimento e a limitação trazida pela fobia social.

A fragilidade que antecede o Pânico

Algumas pesquisas mostram que nos dois anos que antecederam o início das crises de pânico, muitas pessoas viveram situações traumáticas como perdas, separações, doenças, enquanto outras passaram por fases estressantes como problemas no trabalho, mudanças importantes na vida, etc. Estes fatores contribuíram para que a pessoa se sentisse emocionalmente fragilizada e vulnerável.
A ansiedade é a emoção natural quando uma pessoa se sente vulnerável. E uma crise de pânico é uma decorrência possível deste estado de vulnerabilidade.
A situação estressante recente pode trazer de volta um sentimento profundo de fragilidade que a pessoa sentiu em sua infância – experiência muitas vezes esquecida – mas que vai reaparecer, contribuindo para as crises de ansiedade.
Uma meta importante no tratamento é ajudar a pessoa a entrar em contato com esta experiência interna de fragilidade que está na origem do processo que levou ao Pânico, poder suportar este sentimento, podendo sentir-se frágil sem entrar em pânico.

Auto-gerenciamento como etapa para superação do Pânico

Durante uma crise de pânico a pessoa tem a sensação de que seu corpo está fora de controle: o coração dispara, a respiração fica difícil, as extremidades gelam, as mão transpiram… Esta experiência de “descontrole” pode ser emocionalmente devastadora, minando o sentimento de confiança e auto-estima. A pessoa passa então a evitar situações onde imagina que aquilo poderia ocorrer de novo. Frente ao primeiro sinal de mal estar, o temor e a insegurança crescem e o sentimento de impotência domina.
Uma etapa importante na superação do Pânico é desenvolver a capacidade de influenciar o estado de excitação interna, aprendendo a acalmar o corpo. Isto é possível pelo aprendizado de estratégias de auto-gerenciamento, que envolvem diversas técnicas que agem sobre a respiração, a postura, o tônus muscular, o olhar, a atenção etc.
Aprender a se influenciar, iniciando um diálogo construtivo com as sensações e emoções aumenta o sentimento de segurança, diminui o sentimento de vulnerabilidade e consequentemente ajuda a diminuir a incidência das crises de pânico.

Enraizar a presença no corpo para superar o Pânico

Sob estado de pânico a pessoa tende a se desconectar de sua experiência corporal e ficar assustada com o que sente. Há um afastamento de si, levando a pessoa a se ver como estranha, o que produz um sentimento de vulnerabilidade.
O corpo, que seria fonte de experiências vividas como parte do “eu”, passa a ser vivido como fonte de sensações perigosas. Ocorre desconexão entre consciência e corpo. A consciência passa a ficar identificada com o pensamento, se distanciando das sensações corporais. Este afastamento da experiência corporal acentua a ansiedade e o pânico, contribuindo para que a pessoa fique sempre assustada e receosa com as sensações e as reações em seu corpo (taquicardia, suor frio, etc).
Retornar ao corpo como sede da experiência subjetiva é fundamental para que a pessoa possa perder o medo do que sente, reconecte com o sentido de suas reações corporais e aprenda modos de influenciar seus estados internos (aprendendo modos de se acalmar, por exemplo).
Apesar de a pessoa querer “sumir”, não querer mais “habitar seu corpo”, o caminho para superação do pânico necessariamente implica em voltar à corporeidade, reaprender a linguagem das reações corporais e a linguagem das emoções.

As duas direções da ansiedade: agitação e desfalecimento

Sempre que estamos sob estado de ansiedade e medo, nosso corpo tende a apresentar uma entre quatro tipos de reações básicas: (1) lutar, (2) fugir, (3) paralisar ou (4) desfalecer. Cada uma destas respostas foi moldada em nossa história evolutiva e funciona como uma estratégia diferente para lidar com uma situação perigosa. Cada resposta produz reações fisiológicas próprias, nos batimentos cardíacos, na respiração, no tônus muscular, etc. De modo simplificado, podemos identificar duas direções básicas nestas reações do corpo e da mente: (1) uma direção de agitação, com tendência ativa, geralmente de fuga da situação e (2) uma direção de amolecimento, numa tendência passiva, de afastamento do mundo e na direção do desfalecimento. Numa crise de pânico, enquanto algumas pessoas sentem uma agitação incontrolada, outras sentem que podem perder os sentidos e desmaiar.
Cabe notar que é muito raro uma pessoa realmente desmaiar durante uma crise de pânico. O que costuma ocorrer é a pessoa se assustar com o estado de amolecimento, ficando então agitada e querendo escapar da situação.
Uma situação comum é a pessoa estar corporalmente tensa, mas se afastando mentalmente da situação. A pessoa interpreta equivocadamente este afastamento mental como sinal de desmaio, quando no fundo seu corpo vai em outra direção.

por Artur Scarpato

Esclarecimento: há alguns comentários fazendo referência a criação de um grupo por Whatsapp. Esclarecemos que não coordenamos nem temos ligação com nenhum grupo por mídias sociais ou internet.

O curto-circuito que acontece no Pânico

Na crise de pânico o corpo reage com medo como se estivesse frente a um perigo, porém não há nenhuma ameaça visível. A mente então se volta para as reações fisiológicas que são inerentes à reação de medo, como se as reações em si fossem perigosas.
Estas reações (taquicardia, falta de ar, tontura, enjôo, etc.) fazem parte da reação emocional de medo, porém a pessoa passa a interpretá-las como sinal de perigo, indício de uma doença fatal, de uma catástrofe iminente. Esta interpretação catastrófica produz ainda mais medo, logo mais reações fisiológicas. Como a pessoa tem medo de reações corporais que são parte da própria emoção de medo, este “medo do medo” tende a se perpetuar: sempre que a pessoa ficar receosa, vão aparecer reações para serem temidas e sempre que a pessoa sentir algo diferente vai ficar temerosa, logo vão surgir mais reações… Quanto mais reações, mais medo, quanto mais medo, mais reações, num circuito que se auto-alimenta. Este é o círculo vicioso que mantém a pessoa prisioneira no transtorno do pânico.
Um dos focos do tratamento é interromper este curto-circuito que envolve reações físicas – medo – interpretações catastróficas.

O sentimento de fragilidade

Há momentos em que nos sentimos frágeis, como uma folha seca a ponto de ser pisada e destruída em pedaços; como um cálice de cristal no meio de crianças correndo desvairadas.
Esta sensação brota de dentro de nosso ser, quando nosso corpo parece perder qualquer capacidade de reagir e nos sentimos como uma chama que pode se apagar a qualquer momento.
Este estado pode dar origem a um desespero “mudo”, com poucas forças para gritar e que nos consome as energias.
Este sentimento pode emergir quando estamos doentes, mas também quando o lado frágil de nossa personalidade vem à tona e nos faz sentir desamparados como um filhote de pássaro caído fora do ninho.
Muitas pessoas com ansiedade e com crises de Pânico conhecem bem esta experiência de fragilidade extrema.

A Função do Medo

Em certo sentido o potencial de sentir medo existe porque cumpre uma função evolutiva. Em sua vertente “inteligente”, o medo nos afasta e nos protege do perigo, seja de um perigo presente ou antecipado.
Como o medo favorece a proteção da vida é bem provável que nossos ancestrais mais cuidadosos e cautelosos sobreviveram e se reproduziram, enquanto os imprudentes demais sucumbiram nas garras do predador.
Assim, de certo modo, o medo favorece a vida.
A criança, por exemplo, tem medos que a protegem de situações para as quais não se sente pronta para lidar, como medo de cair, medo do escuro, medo de se afogar, etc. Estes medos a protegem de se expor a um possível perigo, até que tenha habilidades suficientes para lidar com a situação, como ter aprendido a nadar, por exemplo.
Nosso corpo tem um “aparelho de medo” muito desenvolvido e atuante. Porém, algumas vezes atuante demais.